terça-feira, 26 de maio de 2015

Quem sou eu afinal...



"Quem sou eu afinal? Quem vou ser eu quando chegar? Pantalão? Joao? Que é um nome? ... Vem cá, minha paisagem interior! Tão pouco te tenho olhado! Trago os olhos virados para fora, habituados a reparar nas mais subtis minúcias... É tão míope sou de mim mesmo! ...Despe o teu nome e a tua roupa! Despe a tua família e a tua prosápia! Despe tudo o que aprendeste nos livros e nas escolas e nas catequeses! Despe os púlpitos, as tribunas, e as catredas dos sábios! ... Só assim, nu, ao sol e ao vento, na bonança e na tempestade, sob as constelações das estrelas, no alto das montanhas ou das planícies sem fim, junto ao quebrar das ondas salgadas ou à margem do riacho, ouvindo os silogismos da água chocalhando gargalhadas no cascalho do leito, os sofismas dos sardões pintalgados que se aquecem refastelados na barriga das lapas, os axiomas de todos de todos os trinados e gorjeios entre a folhagem das árvores- só assim tu saberás e sentirás que és apenas um homem no seio da çriacao... Volta depois a casa. Torna a vestir-te com o teu nome e o réu hábito, veste todas as coisas que te enrouparam a inteligência e o coração, não resistas a sentir pugente, dentro de ti, a comoção e a saudade de agora, que tudo isso é o momento, o instante no homem que tu és..." 



In "A casa do Pó", de Fernando Campos

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