quinta-feira, 12 de novembro de 2015

UMA PALAVRA ACERCA DO MEDO

 
"Tenho de dizer uma palavra acerca do medo. É o único verdadeiro adversário da vida. só o medo pode derrotar a vida. É um adversário poderoso e ardiloso, que eu bem o sei.
 não tem decência, não respeita a lei nem convenção, não mostra piedade. Vai ao nosso ponto mais fraco, que encontra com uma facilidade certeira. começa sempre na nossa mente. Num momento, estamos a sentir-nos calmos, seguros, felizes. E, depois, o medo, disfarçado com as vestes da dúvida afetada, introduz-se na nossa mente como um espião. A dúvida encontra a descrença e a descrença procura empurrá-la. mas a descrença é um soldado de infantaria mal armado. A dúvida vence-a sem grande dificuldade. tornamo-nos ansiosos. A razão está bem equipada com a última technologia das armas. Mas, para nosso espanto, a despeita da tática superior e de um inegável número de vitórias, a razão é vencida. Sentimo-nos enfraquecidos, vacilantes. A nossa ansiedade torna-se pavor.
Depois, o medo trabalha todo o nosso corpo, que já está ciente de que qualquer coisa terrivelmente errada se está a passar. Já os nossos pulmões saíram voando como pássaros e os intestinos deslizaram como uma cobra. Agora a nossa língua ppende morta como um gambá, enquanto o maxilar começa a galopar no mesmo sitio. Os ouvidos estão surdos. Os músculos começam a tremer, como se tivessem malária, e os joelhos abanam, como se estivessem a dançar. O coração retesa-se com demasiada força, enquanto o esfincter se relaxa demasiado. E assim acontece ao resto do nosso corpo. Todas as partes do corpo, da maneira mais própria de cada uma delas, se desintegram. Só os olhos funcionam bem. Eles dão sempre a devida atenção ao medo.
Tomamos rapidamente decisões irrefletidas. Dispensamos os últimos aliados: a esperança e a confiança. Aí, derrotamo-nos a nós mesmos. O medo, que é apenas uma impressão, triunfou sobre nós.
O assunto é difícil de colocar em palavras. Porque o medo, o medo real, aquele que nos sacode até aos fundamentos, como o que sentimos quando levados a enfrentar o nosso fim mortal, aninha-se-nos na memória como uma grangrena: procura apodrecer tudo, mesmo as palavras com que se fala dele. Por isso, temos de lutar duramente para fazer brilhar a luz das palavras sobre ele. Porque se não o fizermos, se o nosso medo se torna escuridão inexprimível que evitamos, que talvez até consigamos esquecer, abrimo-nos a posteriores ataques de medo porque nunca lutámos verdadeiramente contra o opositor que nos derrotou."
 
In, A Vida DE PI - Yann Martel

terça-feira, 26 de maio de 2015

Quem sou eu afinal...



"Quem sou eu afinal? Quem vou ser eu quando chegar? Pantalão? Joao? Que é um nome? ... Vem cá, minha paisagem interior! Tão pouco te tenho olhado! Trago os olhos virados para fora, habituados a reparar nas mais subtis minúcias... É tão míope sou de mim mesmo! ...Despe o teu nome e a tua roupa! Despe a tua família e a tua prosápia! Despe tudo o que aprendeste nos livros e nas escolas e nas catequeses! Despe os púlpitos, as tribunas, e as catredas dos sábios! ... Só assim, nu, ao sol e ao vento, na bonança e na tempestade, sob as constelações das estrelas, no alto das montanhas ou das planícies sem fim, junto ao quebrar das ondas salgadas ou à margem do riacho, ouvindo os silogismos da água chocalhando gargalhadas no cascalho do leito, os sofismas dos sardões pintalgados que se aquecem refastelados na barriga das lapas, os axiomas de todos de todos os trinados e gorjeios entre a folhagem das árvores- só assim tu saberás e sentirás que és apenas um homem no seio da çriacao... Volta depois a casa. Torna a vestir-te com o teu nome e o réu hábito, veste todas as coisas que te enrouparam a inteligência e o coração, não resistas a sentir pugente, dentro de ti, a comoção e a saudade de agora, que tudo isso é o momento, o instante no homem que tu és..." 



In "A casa do Pó", de Fernando Campos

Hospitais para pessoas, gatos e cães...



 "Aqui se cura todo todo o enfermo necessitado e, dos sobejos da muita renda de que o grão-turco dotou o hospital, se fazem gordas e grandes esmolas aos indigentes. Embora o maior de Damasco, não é no entanto este o único hospital ou hospício. Muitos outros há é um deles é para gatos. Fundamento atreito a obras pias, o grão-turco sustenta por todas as suas terras hospitais para homens e mulheres, mas também para gatos.A gente comum dos mouros, pela maior parte, vive pobre e miseravelmente e é de pouco comer e mal vestir, em especial onde moram turcos. Todavia, nenhum deles anda pelas portas pedindo, como na nossa Europa. Todos trabalham em qualquer serviço e os que de todo são impedidos por causa da çegueira ou outro aleijão, enfermidade, velhice ou fraqueza, os hospitais os sustentam. Para gatos, vi-os em Jerusalém e noutras cidades. Tem-nos a seu cuidado o gaiteiro, um mouro com seu prémio, que todas as manhãs se vai pôr à porta do açougue, com uma bacia na mão, a pedir esmola para os seus bichanos, pelo amor de Deus.
Meu companheiro, Frei Zedilho, muito se admirava e não podia compreender como tal pudesse acontecer: que houvesse hospitais para gatos e gateiros encarregados deles.
- Coisa mais inverosímil! - remordia ele. - Pôr-se o gateiro a pedir comida para gatos "por amor de Deus"!
- Se o grão-turco- atirou Isac Beiçudo- vivesse na vossa terra, irmão Zedilho, por certo seria franciscano. E se o vosso padre São Francisco fosse o grão-turco...
- Oh!...
- ... mandaria, sem dúvida, fazer hospitais para lobos!...
Todos nós rimos da saída do nosso judeu, até Frei Zedilho, que se calou, sem resposta. Aproveitei o silêncio para lembrar:
- Não há que admirar. Nas histórias escocesas lê-se que Dornadilha, rei da Escócia, promulgou uma lei em que se ordenava a todos os vassalos obrigassem cada vizinho de suas terras a ter três cães de caça, um galgo e dois ou três de gorda e pastores. Toda a cidade e vila teria um hospital em que, à custa do fisco real, sustentassem os cães velhos que haviam servido ou que tivessem mancado, cegado ou enfermado na caça...
- Não param as coisas de turcos e mouros nisto de gatos- acrescentou Isac. - Alguns deixam terras e campos, à hora da sua morte, ao erário comum, para que as suas bestas tenham ervagem de que se sustentem. E há aqueles que deixam em seus testamentos que, por suas almas, se dêem cada ano tantos cântaros de mel às moscas."
                                                                                                                          In "A casa do Pó" de Fernando Campos

terça-feira, 12 de maio de 2015

Que importa saber quem sou?


                                                 
 
"Que importa saber quem sou? Afinal quem somos nós? Quem é cada um? Quem sou eu? ... Enformei-me ao longo dos anos no aturado e quantas vezes penoso convívio de todos os momentos comigo próprio. Moldaram-me os pensamentos e os sentimentos íntimos, que tinham por objecto o mundo interior e o mundo exterior. Este, por seu lado- as pessoas e as coisas-, também me trabalhou e modelou como o barro as mãos do artíficie. Um lavrar de artista, de que tanto pode sair um santo como um demónio! ... O que eu ando à procura não é, então, saber quem sou, mas donde venho. O sangue que corre nas veias, os humores que se herdam dos avós, o nome, o conhecimento de possível estirpe... Aquele que de mim quiseram fazer, manobrando na sombra, sem que por muito tempo eu o suspeitasse, não foi precisamente aquele que resultou. Não contaram comigo próprio. Sangue, cultura, meio, as coordenadas tópicas e crónicas- tudo isso faz o EU. Mas também o próprio indivíduo, no permanente colóquio, no contínuo debate e embate consigo próprio, é que sobretudo vai formando a sua personalidade. O EU vai gerando e elaborando e enriquecendo o EU... A orfandade, a solidão, o isolamento! Não contaram comigo: isso marcou o meu ser para toda a vida. E, se bem que com o dobrar dos anos, o corpo se vai modificando, enfraquecendo, e a nossa própria memória de nós mesmos se vá esfumando e apagando, a última coisa que de nós restará até ao fim é a consciência do EU. 
EU é das primeiras coisas que se tem consciência e a última coisa que se perde no limiar da morte...levantam-se-me no espírito sérias suspeitas de que, como queria o velho filósofo grego, tudo é número, e de que a personalidade, a individualidade humana não é mais do que uma feliz coincidência e
combinações quânticas, como num ábaco pitagórico. Se o ábaco é destruído, lá se vai a memória e com ela a inteligência e a experiência adquirida, o EU pensante e querente. (...) quando o ábaco se desfaz, o EU, poeira cósmica, retorna ao grande Todo."

 In "A casa do pó", Fernando Campos.











terça-feira, 23 de setembro de 2014



LOVE INCONDITIONALLY

" Para os magos não existem formas de amor mais ou menos elevadas. essa é a linguagem dos juízos de valor (...).
 - Se o teu inimigo passa por ti na rua e te insulta, trata-se de um ato de amor. O impulso do amor teve início no coração do teu inimigo e transformou-se em ódio quando passou o filtro da memória. As tuas experiências do passado fazem com que o impulso do amor se distorça ao vir à superfície. Se pudesses ir ao encontro de todos os impulsos no seu ponto de origem, verificarias que todas as expressões seriam realmente amorosas. O amor pessoal que os mortais sentem uns pelos outros é uma forma concentrada do amor universal. Se te deixares abrir, podes vivenciar ambos de uma forma plena.
    (...) Um tipo de amor procura um espelho, o outro procura recuperar uma parte em falta. Ao sentir-se incompleto consigo mesmo, o leitor propõe-se compensar a sua falta através de outra pessoa.
 - Se quiseres sentir o amor da forma que deus o sente, terás de preeencher esses vazios, porque Deus apenas pode amar o que é pleno. (...) O primeiro passo é identificares os teus vazios, e o segundo, é preenchê-los com o ser ou com a essência.
    O verdadeiro processo de aprendizagem do amor a si próprio seria melhor designado por aprender a amar o nosso Ser, ou seja, o nosso espírito.
In "O caminho dos magos", Deepak Chopra


 
 
 
 
O PODER DO AMOR É O PODER DA PUREZA

    " O poder do amor é o poder da pureza. A palavra "amor" é utilizada de diversas formas, mas, para os magos, é uma palavra sagrada, pois para eles "amor" é o que dissolve todas as impurezas, deixando apenas o que é verdade e o que é real. ) enquanto tiveres raiva, não podes amar verdadeiramente, e enquanto possuires um ego egoista, também não podes amar verdadeiramente.
 - Então como poderei alguma vez amar? (...)
 - Pois, é esse o grande mistério. Por mais impuro que sejas, o amor procura-te sempre e trabalha em ti até que fiques preparado para amar.
     O amor procura a impureza para poder dissipá-la. Não existem pessoas sem amor - existem, isso sim, pessoas que não conseguem sentir a força do amor. O amor, invisível e sempre presente, é muito mais uma emoção ou um sentimento; é muito mais do que o prazer ou mesmo o êxtase. Na perspectiva dos magos, o amor é o que respiramos, é a energia que circula em cada célula. Da sua fonte universal, o amor toca tudo o que existe. è o poder supremo, porque, sem usar a força, o amor traz a si tudo o que é. Mesmo no sofrimento, o poder do amor prossegue com o seu trabalho, para além do alcance do ego e da mente. Todas as outras formas de poder são fracas comparadas com o amor. (...)
       O verdadeiro poder é interior. para vermos o mundo à luz do amor, que só pode ter origem a partir de dentro, é essencial que vivamos sem medo, numa paz inabalável.
     Existem muitos segredos relacionados com o amor que escapam à percepção da maiora das pessoas. Para receber amor, temos de ter dado amor. Para termos a certeza de que a outra pessoa nos ama incondicionalmente, temos de não lhe impor quaisquer condições. Para aprender a amar alguém, temos em primeiro de nos amamarmos a nós. (...)
    (...) o amor tem de ser libertado de camadas de ódio, medo e egoísmo que o asfixiam como camadas de verniz. Para conseguir uma vida plena de amor há que purificar a vida. (...)
    O primeiro passo para atingir o amor enquanto elemento pleno e inabalável da sua vida é redefinir o seu atual conceito de amor. A maior parte das pessoas tem a ideia de que o amor é uma atração por outro ser, ou uma força que nos nutre e nos faz sentir amados, ou o prazer e o deleite, ou um sentimento de emoção poderosa. Apesar do amor poder conter todas essas definições, o mago diria que isso são aspectos parciais.
 - todas as formas de amor definidas pelos mortais são perecíveis. aquilo a que chamam amor aparece e desaparece, e movimenta-se de objecto em objecto de desejo. De um momento para o outro transforma-se em ódio se os desejos não forem satisfeitos. O amor real não pode mudar, pois não tem nada a ver com o objecto, nem sequer pode transformar-se noutra emoção, porque, antes de mais, não é uma emoção.
 - os mortais vivem o amor de uma forma febril, agitada e ansiosa. Se não podem possuir a pessoa amada, pensam que morrem. Mas, o amor, o amor verdadeiro, não deveria provocar agitação ou ansiedade, porque não se dirige para o exterior. O ser mais amado é apenas a extensão da própria pessoa. O amor que o leitor imagina que recebe do outro traduz uma limitação da sua consciencia. Para um mago, todas as forças de amor provêm de dentro.
 - Um dia, quando tiveres superado toda esta inquietude, verás uma pequena luz no teu oração. essa luz começará por parecer uma faísca, depois a chama de uma vela, e, por fim, uma imensa fogueira. Entretanto, tu despertas, e as chamas devorarão o Sol, a Lua e as estrelas. Nesse momento só haverá amor no cosmos; no entanto, todo esse amor se encontra no teu coração."
In "O caminho dos magos", Deepak Chopra


 


terça-feira, 25 de março de 2014

"E agora sei que algumas pessoas sentem a infelicidade da mesma forma que outras amam: privadamente, intensamente, irremediavelmente." ( in E as montanhas ecoaram, khaled Hosseini)