quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014


Beijar um Sapo

Uma recente pesquisa da revista brasileira Isto É assegura que as três principais qualidades que as mulheres procuram nos homens são o carinho, a sinceridade e a inteligência. A esmagadora maioria afirma não se importar com o facto de um homem ser feio. Já os homens continuam a citar Vinicius de Moraes: “que me desculpem as muito feias, mas beleza é fundamental”; e só relativamente poucos se afirmam preocupados com a inteligência e o património cultural da possível companheira.
Segundo o mesmo artigo, as mulheres queixam-se de ser cada vez mais difícil encontrar homens interessantes, disponíveis para um relacionamento duradouro. Não admira: o que aqueles dados sugerem, em primeiro lugar, é que as mulheres são muito mais inteligentes do que os homens. E, embora não esteja explícito, fica a suspeita de que a maior parte dos homens receia as mulheres inteligentes.
Antigamente, quando as mulheres estavam confinadas à cozinha, ou à vida inútil dos salões, era fácil iludir esta questão. O homem mantinha o logro da sua superioridade intelectual, que justificava o secular domínio masculino, e podia até dar-se ao brilho de escolher como esposa uma mulher inteligente. Hoje não: os homens já têm de competir nos empregos com mulheres intelectualmente mais preparadas do que eles. Ainda que jamais o confessem (não confessariam isso nem sujeitos a tortura), poucos aceitam a possibilidade de transportar tal situação para o interior do lar.
As mulheres, conforme nos ensina a velha fábula, não se importam de beijar um sapo, sabendo que dentro dele se esconde um príncipe. Os homens, na sua maioria, beijariam a princesa e voltariam a beijá-la, mesmo depois de a ouvirem coaxar na piscina, numa noite de lua cheia. “Era um sapo”, admitiriam mais tarde em conversa com os amigos, “mas que pernas!”
Ao contrário, se um homem suspeitar que dentro de um sapo pode haver uma mulher inteligente, pisa o sapo: “um nojo! E ainda por cima queria saber se eu já tinha lido Kafka!...”
Não consigo imaginar o que poderá resultar deste lamentável desencontro histórico. Uma das mulheres entrevistadas no artigo Isto É acha que existem apenas duas opções: “ ou você se mata ou vira lésbica.” Parece-me uma posição extremamente pessimista. Tenho a certeza de que muitas mulheres preferem continuar a beijar sapos, a vida inteira, mesmo sabendo que na maior parte dos casos eles são apenas isso: sapos.
Afinal, um beijo, como cantava o velho Sinatra, é somente um beijo. E polo menos os sapos não costumam telefonar no dia seguinte.
(in Substância do amor e outras crónicas, José Eduardo Agualusa)


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