quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014



Porque é que as mulheres não foram à lua?

Os americanos nunca enviaram mulheres à lua por causa da bagagem: não cabia. Quem já viajou com mulheres sabe do que falo. Elas não viajam, organizam mudanças. Qualquer pequena deslocação, por dois ou três dias, serve de pretexto para tentar colocar "o menor número possível de coisas" (asseguram elas) dentro do maior número possível de malas (digo eu). Às vezes parece que o número das malas supero o número das coisas. Só nessas alturas é que nos apercebemos de tudo aquilo que cabe dentro de uma casa.
As malas são tantas que precisam de ser catalogadas: há a mala das camisas, a mala da roupa suja, a mala dos perfumes, a mala dos mistérios, a mala dos livros para ler nas férias. Há inclusive uma mala unicamente para guardar os catálogos com o conteúdo das outras malas.
Alguns homens, quando se apaixonam, acreditam realmente na velha utopia "um amor e uma cabana". Algumas mulheres também, até ao dia em que começam a fazer as malas. A pergunta, " o que levaria para uma ilha deserta?" não faz sentido para elas: " E há limite de peso?"
Conta-se que Sara Bernard transportava consigo um baú por cada dia que tivesse de passar longe de casa. nos finais do século XIX ainda era possível viajar com fausto. A invenção dos aviões acabou com isso. Se vivesse nos nossos dias, a grande atriz não poderia passar muito tempo longe de casa.
(...)
Dito isto dou o braço a torcer. não há nada melhor do que viajar até ao Pantanal, para uma fazenda remota, e na primeira noite, longe, muito longe dos desacertos do mundo, ela aparecer para jantar vestida e perfumada como uma princesa árabe. 
Acho muito bem que um homem se proponha a atravessar a Austrália com uma única camisa, umas calças duas cuecas, um par de ténis e a escova de dentes. 
Mas quem se deixaria seduzir por uma mulher que cruzou as vastas areias da Austrália sem nunca trocar de camisa?
Também há quem diga que as mulheres nunca foram à lua por causa da poeira. Pode ser. 
(in A Substância do amor e outras crónicas, José Eduardo Agualusa)


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