Uma meta alcançada não é uma meta
Este aforismo, aparentemente contraditório, de Herman Hesse remete-nos
para um breve texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano, que diz assim: “Ela
está no horizonte – diz Fernando Bieri. – Aproximo-me dois passos e o horizonte
corre dois passos mais para lá. Caminho dez passos e ela afasta-se dez passos.
Por mais que caminhe nunca a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para
isso, para caminhar.”
A utopia, como o seu nome indica, é um não lugar, uma meta que só se
pode chegar através da aspiração e da imaginação. Do mesmo modo que não podemos
alcançar o horizonte, há destinos que têm como única finalidade fazer-nos
caminhar.
A magia do horizonte reside no facto de ser um lugar inalcançável, dado
que por mais que o possamos contemplar e tentemos apanhá-lo, nunca poderemos lá
chegar. De igual modo, toda a utopia é um motor, uma motivação para continuar o
caminho. Mas precisamos desse motor.
Dependendo da meta que tenhamos fixado para nós, é provável que nunca
possamos chegar até ela. Por exemplo, um pintor que aspira à perfeição ou um
atleta que queira reduzir sempre a sua marca, chocarão antes ou depois com os
seus limites, com o seu próprio horizonte, mas é precisamente essa utopia que
lhes permite crescer e progredir.
Como dizia William Faulkner, devemos ter sonhos suficientemente grandes
para não os perdermos de vista enquanto os perseguimos.
A felicidade reside frequentemente em perseguir o impossível.
O estilo de vida a que nos vemos impelidos faz-nos acreditar que tudo
se reduz a conseguir objectivos e objectos quantificáveis. Estamos tão
obcecados com chegar, com queimar etapas sem nos apercebermos delas, sem
aprender com elas, que não apreciamos o caminho, os seus recantos e os seus
altos e baixos. Sucumbimos perante a ilusão de que se subirmos degraus no
trabalho, se comprarmos um carro novo ou mudarmos de casa estamos a alcançar
uma meta.
Mas não é esta meta a que se refere Herman Hesse.
Porque, será esse o objetivo primordial da nossa vida? Acumular objetos,
desfazermo-nos dos velhos? É assim que nos devemos relacionar com o mundo? Não
seria melhor aprender com o vivido, valorizar experiências e avançar para um
ideal que dê sentido à nossa vida?
Cada instante da nossa existência faz parte dessa mochila que levamos
connosco e a que podemos chamar experiência. São situações, emoções, pessoas,
descobertas…, tudo isso faz parte do caminho.
Talvez nunca cheguemos até onde sonhámos, mas as oportunidades abrem-se
diante de nós e podem levar-nos a novos caminhos, a novos portos de montanha
que nos convidem a continuar a subir.
Por isso Siddharta, cujo nome significa “o que alcançou a meta”, quando
se encontra com mestres opta por aprender o que eles lhes oferecem. No entanto,
uma vez obtido o ensinamento, segue o seu caminho, porque sabe que a vida da
sabedoria é uma estrada sem fim, que leva a todo o lado e a nenhum em concreto.
Por isso mesmo, como seres humanos, devemos dar-nos autorização para
sonhar. Não te sintas deprimido se o que esperas alcançar parece distante. Toda
a grande meta dá um sentido à nossa vida e permite-nos apreciar o caminho, que,
muitas, é mais aprazível que o objectivo em si.
Capitulo 19 “A Cura espiritual de Siddharta – a sabedoria de Herman
Hesse.
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