Esta frase de Hernmann Hesse faz-me
pensar num episódio dos meus tempos de consultor numa editora. Embora se
tratasse de uma casa que publicava livros de desenvolvimento pessoal, na
redacção havia um ambiente de crispação devido aos confrontos constantes entre
o designer e a coordenadora editorial.
Os dois eram jovens e eu não entendia de
onde é que saía tanta hostilidade mútua. Comentei esta situação com um amigo
que trabalhava numa fábrica e, talvez por ser tão alheio ao mundo em que eu lhe
falava, deu-me uma explicação surpreendente: “Isso é porque eles gostam um do
outro”.
Semanas depois soube que, efectivamente,
os mesmos que atiravam pratos à cabeça um do outro tinham iniciado um romance.
Voltando ao sábio aforismo do lobo das
estepes, muitas pessoas julgam equivocadamente que o ódio é o contrário do amor,
quando a única coisa que se encontra no reverso do amor é a indiferença. O que
não amamos – nem bem nem mal – não existe para nós. Se um país não nos atrai,
simplesmente nunca pensamos nele.
Quando não gostamos de alguém, é porque
essa pessoa possui algo que nos toca profundamente e nos provoca mal-estar.
Esse alguém está a fazer de espelho de alguma coisa que está dentro de nós e
que não queremos reconhecer. De outro modo não nos incomodaria tanto.
Assim, a pessoa avarenta sofre a avareza
alheia com mais intensidade que qualquer outra, e o indiscreto irrita-se de
forma desproporcionada quando sofre a indiscrição.
A pessoa que odiamos é o nosso próprio
espelho e, portanto, um mestre espiritual que não devemos desprezar.
O ódio é a forma deformada do amor, mas
amor, afinal. E se temos amor, também temos a capacidade de canaliza-lo de
forma positiva, como a coordenadora editorial e o designer que trocaram as
discussões por uma aventura sentimental.
Talvez discutissem porque o amor, ao ser
detetado, causa medo, e o próprio medo é disfarçado pela aversão.
Portanto, da próxima vez que sentires
ódio por alguém, procura o que está reflectido no espelho, qual é a lição que
te veio oferecer. Depois examina aquilo que não gostas em ti e pergunta a ti
mesmo porque é que ainda não o extirpaste.
Devemos ser mais sinceros connosco
próprios.
Terminaremos com um “lobo das estepes”
da indústria do cinema. Quando um jornalista perguntou a John Malkovich dos
movimentos da extrema-direita, este respondeu: “não me preocupa o nazi que se
cruza comigo na rua. Preocupa-me o nazi que vive dentro de mim.
In“A Cura Espiritual de Siddartha”,
Allan Percy - capítulo 2
(Baseado no livro “Siddartha” de Hermann
Hesse)
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