sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014



                                                                      A Decisão

Vocês são a favor ou contra?
Respondam sim ou não.
Decerto já pensaram no problema
Creio sinceramente que ele os tem preocupado.
Tudo na vida traz preocupações
Crianças mulheres insetos
plantas nocivas, horas sem proveito
paixões difíceis, dentes cariados
filmes medíocres. e isto decerto os preocupa.
sejam responsáveis e digam: sim ou não.
A vocês é que cabe decidir.
Não lhes pedimos evidentemente que abandonem 
suas preocupações, que interrompam a sua vida
o jornal preferido, o bate-papo
no barbeiro. os domingos ao ar livre.
uma palavra só. Vamos então:
Vocês são contra ou a favor?

Pensem bem: Eu fico à espera.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014



Porque é que as mulheres não foram à lua?

Os americanos nunca enviaram mulheres à lua por causa da bagagem: não cabia. Quem já viajou com mulheres sabe do que falo. Elas não viajam, organizam mudanças. Qualquer pequena deslocação, por dois ou três dias, serve de pretexto para tentar colocar "o menor número possível de coisas" (asseguram elas) dentro do maior número possível de malas (digo eu). Às vezes parece que o número das malas supero o número das coisas. Só nessas alturas é que nos apercebemos de tudo aquilo que cabe dentro de uma casa.
As malas são tantas que precisam de ser catalogadas: há a mala das camisas, a mala da roupa suja, a mala dos perfumes, a mala dos mistérios, a mala dos livros para ler nas férias. Há inclusive uma mala unicamente para guardar os catálogos com o conteúdo das outras malas.
Alguns homens, quando se apaixonam, acreditam realmente na velha utopia "um amor e uma cabana". Algumas mulheres também, até ao dia em que começam a fazer as malas. A pergunta, " o que levaria para uma ilha deserta?" não faz sentido para elas: " E há limite de peso?"
Conta-se que Sara Bernard transportava consigo um baú por cada dia que tivesse de passar longe de casa. nos finais do século XIX ainda era possível viajar com fausto. A invenção dos aviões acabou com isso. Se vivesse nos nossos dias, a grande atriz não poderia passar muito tempo longe de casa.
(...)
Dito isto dou o braço a torcer. não há nada melhor do que viajar até ao Pantanal, para uma fazenda remota, e na primeira noite, longe, muito longe dos desacertos do mundo, ela aparecer para jantar vestida e perfumada como uma princesa árabe. 
Acho muito bem que um homem se proponha a atravessar a Austrália com uma única camisa, umas calças duas cuecas, um par de ténis e a escova de dentes. 
Mas quem se deixaria seduzir por uma mulher que cruzou as vastas areias da Austrália sem nunca trocar de camisa?
Também há quem diga que as mulheres nunca foram à lua por causa da poeira. Pode ser. 
(in A Substância do amor e outras crónicas, José Eduardo Agualusa)



Beijar um Sapo

Uma recente pesquisa da revista brasileira Isto É assegura que as três principais qualidades que as mulheres procuram nos homens são o carinho, a sinceridade e a inteligência. A esmagadora maioria afirma não se importar com o facto de um homem ser feio. Já os homens continuam a citar Vinicius de Moraes: “que me desculpem as muito feias, mas beleza é fundamental”; e só relativamente poucos se afirmam preocupados com a inteligência e o património cultural da possível companheira.
Segundo o mesmo artigo, as mulheres queixam-se de ser cada vez mais difícil encontrar homens interessantes, disponíveis para um relacionamento duradouro. Não admira: o que aqueles dados sugerem, em primeiro lugar, é que as mulheres são muito mais inteligentes do que os homens. E, embora não esteja explícito, fica a suspeita de que a maior parte dos homens receia as mulheres inteligentes.
Antigamente, quando as mulheres estavam confinadas à cozinha, ou à vida inútil dos salões, era fácil iludir esta questão. O homem mantinha o logro da sua superioridade intelectual, que justificava o secular domínio masculino, e podia até dar-se ao brilho de escolher como esposa uma mulher inteligente. Hoje não: os homens já têm de competir nos empregos com mulheres intelectualmente mais preparadas do que eles. Ainda que jamais o confessem (não confessariam isso nem sujeitos a tortura), poucos aceitam a possibilidade de transportar tal situação para o interior do lar.
As mulheres, conforme nos ensina a velha fábula, não se importam de beijar um sapo, sabendo que dentro dele se esconde um príncipe. Os homens, na sua maioria, beijariam a princesa e voltariam a beijá-la, mesmo depois de a ouvirem coaxar na piscina, numa noite de lua cheia. “Era um sapo”, admitiriam mais tarde em conversa com os amigos, “mas que pernas!”
Ao contrário, se um homem suspeitar que dentro de um sapo pode haver uma mulher inteligente, pisa o sapo: “um nojo! E ainda por cima queria saber se eu já tinha lido Kafka!...”
Não consigo imaginar o que poderá resultar deste lamentável desencontro histórico. Uma das mulheres entrevistadas no artigo Isto É acha que existem apenas duas opções: “ ou você se mata ou vira lésbica.” Parece-me uma posição extremamente pessimista. Tenho a certeza de que muitas mulheres preferem continuar a beijar sapos, a vida inteira, mesmo sabendo que na maior parte dos casos eles são apenas isso: sapos.
Afinal, um beijo, como cantava o velho Sinatra, é somente um beijo. E polo menos os sapos não costumam telefonar no dia seguinte.
(in Substância do amor e outras crónicas, José Eduardo Agualusa)