quarta-feira, 26 de junho de 2013

A Consciência do Mal




“ A consciência do mal, quer o que cometemos, quer o que sofremos, é como a água de um lago: enquanto a extensão líquida que observamos nos parece, aos nossos olhos, calma e quase imóvel, na realidade, sob a superfície agitam-se correntes que formam remoinhos profundos e perigosos. Nunca iríeis, por vossa vontade, mergulhar num destes remoinhos a menos que quisésseis renunciar à vossa vida… aí está, eu penso que cada um de nós deve olhar apenas para a superfície do lago, procurando gozar da paz que a sua aparente imobilidade nos comunica.

Sabemos muito bem que nele existem abismos que poderiam engolir-nos, mas, para ir em frente, temos  de ignorar a sua presença, embora sem os esquecer. Água sobre água, a vida sobre a morte.”

In “Mercador de lã” – Valéria Montaldi


Uma meta alcançada não é uma meta

Este aforismo, aparentemente contraditório, de Herman Hesse remete-nos para um breve texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano, que diz assim: “Ela está no horizonte – diz Fernando Bieri. – Aproximo-me dois passos e o horizonte corre dois passos mais para lá. Caminho dez passos e ela afasta-se dez passos. Por mais que caminhe nunca a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso, para caminhar.”
A utopia, como o seu nome indica, é um não lugar, uma meta que só se pode chegar através da aspiração e da imaginação. Do mesmo modo que não podemos alcançar o horizonte, há destinos que têm como única finalidade fazer-nos caminhar.
A magia do horizonte reside no facto de ser um lugar inalcançável, dado que por mais que o possamos contemplar e tentemos apanhá-lo, nunca poderemos lá chegar. De igual modo, toda a utopia é um motor, uma motivação para continuar o caminho. Mas precisamos desse motor.
Dependendo da meta que tenhamos fixado para nós, é provável que nunca possamos chegar até ela. Por exemplo, um pintor que aspira à perfeição ou um atleta que queira reduzir sempre a sua marca, chocarão antes ou depois com os seus limites, com o seu próprio horizonte, mas é precisamente essa utopia que lhes permite crescer e progredir.
Como dizia William Faulkner, devemos ter sonhos suficientemente grandes para não os perdermos de vista enquanto os perseguimos.
A felicidade reside frequentemente em perseguir o impossível.
O estilo de vida a que nos vemos impelidos faz-nos acreditar que tudo se reduz a conseguir objectivos e objectos quantificáveis. Estamos tão obcecados com chegar, com queimar etapas sem nos apercebermos delas, sem aprender com elas, que não apreciamos o caminho, os seus recantos e os seus altos e baixos. Sucumbimos perante a ilusão de que se subirmos degraus no trabalho, se comprarmos um carro novo ou mudarmos de casa estamos a alcançar uma meta.
Mas não é esta meta a que se refere Herman Hesse.
Porque, será esse o objetivo primordial da nossa vida? Acumular objetos, desfazermo-nos dos velhos? É assim que nos devemos relacionar com o mundo? Não seria melhor aprender com o vivido, valorizar experiências e avançar para um ideal que dê sentido à nossa vida?
Cada instante da nossa existência faz parte dessa mochila que levamos connosco e a que podemos chamar experiência. São situações, emoções, pessoas, descobertas…, tudo isso faz parte do caminho.
Talvez nunca cheguemos até onde sonhámos, mas as oportunidades abrem-se diante de nós e podem levar-nos a novos caminhos, a novos portos de montanha que nos convidem a continuar a subir.
Por isso Siddharta, cujo nome significa “o que alcançou a meta”, quando se encontra com mestres opta por aprender o que eles lhes oferecem. No entanto, uma vez obtido o ensinamento, segue o seu caminho, porque sabe que a vida da sabedoria é uma estrada sem fim, que leva a todo o lado e a nenhum em concreto.
Por isso mesmo, como seres humanos, devemos dar-nos autorização para sonhar. Não te sintas deprimido se o que esperas alcançar parece distante. Toda a grande meta dá um sentido à nossa vida e permite-nos apreciar o caminho, que, muitas, é mais aprazível que o objectivo em si.

Capitulo 19 “A Cura espiritual de Siddharta – a sabedoria de Herman Hesse.